Em 2002, Homem-Aranha moldou o cinema de super-herói e trouxe de volta a identidade do uniforme colorido. De quebra, características que definiram o estilo Marvel de se fazer cinema: romance, bom humor, drama e até mesmo o terror, sem contar também a violência, a fotografia e o estilo de câmera utilizada estavam lá.
Com o sucesso de Blade, X-Men e o próprio teioso de Sam Raimi, era a vez de Demolidor. Lançado em 2003, a adaptação prometia um conceito de aventura sombria seguindo o conto dos vigilantes urbanos da casa das ideias.
Pode parecer, de cara, pretensioso, com certas técnicas que já vimos em outros filmes de super-herói de sucesso. E não é incomum lembrar que ao identificar algumas coisas já julgamos como: "- Ah, olha lá, mais um Homem-Aranha" sendo que, na verdade, não é. O longa empresta alguns elementos - como os voos em tomada única acompanhando os movimentos do personagem: saltando, pulando e atacando. Claro, são elementos que logo lembramos também de outra grande produção que não é super-herói de quadrinhos, mas que naturalmente contribuiu para essa tendência, que é o caso de Matrix - fenômeno que chegou no final dos anos 90 e definiu o cinema de ação no começo daquela década de 2000 até eles começarem a encontrar novas fórmulas com A Identidade Bourne (definia as tomadas realistas dentro de produções de suspense com temática espionagem ou policiais).
Eu tive o prazer de assistir Demolidor no cinema e boa parte desse cinema de sucesso do começo dos anos 2000. Demolidor tem personalidade própria e se começarmos a comparar a própria produção com o que a Marvel realizou com Homem-Aranha, fracassamos miseravelmente. Em Demolidor, o uso e abuso das cenas escuras são propositais para trazer ao expectador a experiência do ponto de vista do próprio personagem - não é todo dia que vemos um super-herói que transforma uma criança em condições especiais no salvador imbatível do dia e, considerando também, favorito na lista de filmes recomendados sobre inclusão.
Com um elenco implacável, temos Ben Affleck (o eterno amigo de Matt Damon em Gênio Indomável) mostrando aqui que pode ser um super-herói num filme do gênero. Ainda que o mesmo já tenha se envolvido anteriormente em outras propostas próximas, essa é a primeira vez que vemos Affleck atuando numa adaptação legítima de quadrinhos.
Jennifer Garner é a revelação como Elektra, fazendo uma parceria de romance e tragédia com Matt Murdock. Ben e Garner aproveitam cada segundo em que podem estar em tela, garantindo a torcida do espectador pela vitória da dupla em cena (casal tem química). E o que dizer das caprichadas cenas em que vai desde as cenas de Elektra em treinamento coreografados ao som de Evanescence a um dos mais chocantes momentos dos quadrinhos - uma tremenda surpresa a ser incluída no desenvolvimento, o que só enriquece e nos enche de orgulho deste filme de origem que não tem vergonha de ser quadrinhos.
Temos também o grande viral da época: Colin Farrell (Por um Fio e O Novato), ator no seu auge da popularidade, que sempre marcava em todo grande lançamento naquele período e aqui atua como o Mercenário, um antagonista cruelmente psicótico com suas nuances sádicas de sarcasmo.
Michael Clark Duncan, um talento que nos deixou de forma devastadoramente prematura, é outra imensa revelação naquele período e que caiu como uma luva na pele de Wilson Fisk ou codinome: Rei do Crime. Grandão e talentoso, só podia ser Duncan - a descoberta de À Espera de um Milagre.
Outro ponto positivo é que além da adaptação não dispensar o tom sombrio e dramático, sendo uma aventura de super-herói, gênero que quase sempre era visto como filme para crianças, a violência e o tom mais sombrio não são poupados de sua audiência. Cenas de mutilação, por exemplo, são levados ao máximo da classificação 14 anos (12 anos nos serviços de transmissão/ streaming). E isso acaba tornando a história mais crível transpondo o quadrinho para a realidade.
O roteiro de Mark Steven Johnson, conhecido por escrever comédias (Inimigos Para Sempre e Dois Velhos Rabugentos), tem desenvolvimento bem amarrado que envolve os personagens numa trama convincente. Embora o seu desfecho - diferente do início e desenvolvimento - já se pareça pretensioso demais. Ainda que cenas extras entretenham de certa maneira e as brechas nos traga uma mensagem tradicional sobre a sociedade. Era uma época em que o cinema de super-heróis já estava no entendimento dos seus realizadores e aquilo era o caminho do investimento certo.
Embora exista uma narrativa envolvente, ele, no fim, reverte tudo o que assistimos só para deixar uma brecha para o próximo capítulo (que, infelizmente, nunca viríamos). Acabava sendo um risco, uma vez que não se tinha um plano certo de longo prazo com um encerramento planejado ou um grande evento cinematográfico para aquele personagem a ser premeditado futuramente. Isso se torna frustrante. Não era como, por exemplo, o plano de George Lucas em Star Wars ou o que, temos como exemplo hoje, o Universo Cinematográfico Marvel. Nada disso era muito claro naquela época, embora já conseguíamos identificar o que era um cinema de super-herói e só pela novidade já se tornava uma grande empolgação. E experiencias cinematográficas assim, nos apresentando novas identidades e possibilidades de mundos além da nossa realidade - ainda que a nossa realidade seja um personagem da história - sempre são imensamente gratificantes.
Demolidor (2003) é certamente um dos filmes de super-heróis mais subestimados da história e merecia mais carinho.
ATENÇÃO: FIQUEM DURANTE OS CRÉDITOS
Demolidor está disponível gratuitamente para assistir no Mercado Play.
Origem
Mecenário foge da prisão no encalço de Elektra a fim de se tornar novamente o assassino pessoal do Rei do Crime. Uma feroz batalha entre Elektra e Mercenário acontece resultando na morte da ninja. Na busca pelo Demolidor, o vilão não tem a mesma sorte, cai num fio elétrico e fica tetraplégico (situação muito semelhante ao que se encontra no filme de 2003).
Demolidor 2
Ben Affleck demonstrou interesse em retornar a um novo filme como Demolidor (em Outubro de 2004)
desde que a FOX apostasse em desafios mais pesados ou histórias mais sombrias do personagem. Em uma dessas histórias, estava Demolidor: Diabo da Guarda (Guardian Devil) escrita por Kevin Smith. Mas A Queda de Murdock (Born Again) se tornou a favorita do diretor Mark Steven Johnson (Demolidor) que sugeriu Senhor Medo como vilão - um antagonista que encara o medo e se transforma no próprio terror ao inalagar um gás químico. A história de A Queda de Murdock acabou por despertar um interesse obcecado por Ben Affleck mas que, posteriormente, em 2006, devido a problemas de diferença criativa com a FOX, desistiu e prometeu nunca mais vestir um traje de super-herói por se sentir humilhado. Felizmente, a frustração acabou 10 anos depois com Batman v.s. Superman: A Origem da Justiça e em alguns retornos posteriores no papel de Bruce Wayne/ Batman para o lado da concorrente, DC/ Warner (que também começava a ter crises de criatividade e de desempenho nas bilheterias com o seu Universo Estendido da DC).
O intressante é que o projeto de adaptação Demolidor: A Queda de Murdock não está definitivamente abandonado. Após a aquisição da Marvel pela Disney, uma série foi anunciada para a Disney Plus com previsão de chegar esse ano. Problemas na produção ocorreram e ela acabou sendo reescrita e passando por novas filmagens.
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E.U.A.
-ITÁLIA-
Fadiga dos Super-Heróis: Antigamente era Melhor
Eu admito que pouco me posicionei sobre a fadiga dos super-heróis mas existe uma frase que a gente carrega para vida: quem se cala, nem sempre consente.
Pontos importantes:
" Ben Affleck não fez A Queda de Murdock e ficamos órfãos de uma sequência. "