Longa foi expectativa alta que resultou em uma enxurrada
de críticas negativas por partes da crítica especializada e de personalidades da mídia
Antes de falarmos sobre Blonde, devemos nos lembrar da importância da Netflix, serviço de streaming que conquistou consideravelmente a atenção do público nos últimos anos dominando o título de plataforma com mais assinantes - decretando até mesmo a possibilidade de um fim das TVs por assinatura e seu crescente interesse desde a explosão dos acessos remotos em meio a pandemia de 2020.
Títulos lançados na Netflix chamavam a atenção com sua surpreendente produção de séries - desde a famosa viralização de O Demolidor em 2014, ainda nos tempos áureos de Facebook, em que um corte mostrava cenas do super-herói em ação contra os bandidos e assim mostrando o poder da MARVEL Entertainment na TV. Mas foi só em 2020 - com a explosão dos acessos remotos em meio a pandemia - é que os serviços de streaming parecem ter decretado a possibilidade de um futuro fim das TVs por assinatura. E com todo mundo isolado em casa, tendo grandes lançamentos da tela grande indo diretamente para esses novos e práticos serviços de transmissão, foi questionado até mesmo o fim do cinema.
Para muitos entusiastas da nova forma de consumir audiovisual cenográfica, a Netflix então se autointitulara a plataforma que substituiria as videolocadoras. E, sendo assim, as lojas Blockbuster já virava história ou um nome que ficaria na saudade ou uma mera peça de roteiro para algum canal retrô no You Tube.
Mas o que a Netflix não contava é que com essa explosão de uma nova vida de acessos remotos, outras concorrentes também passaram a se destacar tornando a vida da Netflix muito mais difícil. Essa que já corria pelos corredores ter um gerenciamento tirano entre seus colaboradores (a exemplo da Livraria Cultura). Mas a excelência no atendimento da Netflix era destacada nas redes sociais. E na Livraria Cultura, não era diferente (pude testemunhar uma excepcional recepção dos atendentes para fechar parcerias). Duas empresas culturais com excelentes colaboradores apesar desses infelizes problemas em comum nos bastidores (soa como ver gênios presos em uma corrente).
Telefilmes com tratamento de cinema, consideravelmente, é assim que vemos então os novos serviços de streaming. Especialmente Blonde - que concorre ao Oscar de Melhor Atriz para Ana de Armas.
Obras da Netflix costumam ousar consideravelmente em alguns temas para manter seus assinantes ativos (muito mais do que filmes que costumamos ver regularmente no cinema) e o telefilme Blonde da plataforma é uma delas.
Blonde, adaptação do livro de Joyce Carol Oats sobre a vida de Marilyn Monroe, foi expectativa alta e grande promessa esperada pelos críticos de cinema ao redor do globo.
Com quase 10 anos de pré-produção, a história gira em torno de uma biografia através de algumas livres passagens de adaptação. Isso é: o livro da aclamada autora interpreta a história da estrela de uma forma ficcional.
Nem tudo é construído como fantasia embora as nuances reais sejam usadas como base para contar a dramatização. Naturalmente, é o que costumamos ver na maioria das biografias cinematográficas (a ideia de dramatizar passagens da história a fim de torná-las compreensíveis como sétima arte).
Lançado em 2000, o livro que deu origem ao filme conta com 700 páginas.
A obra parece trazer mais autenticidade e mais sensibilidade do que a obra original. Os nomes de algumas personalidades apresentadas são ficcionais no livro e verdadeiros na adaptação (como os filhos gêmeos de Charles Chaplin entre os amores de Monroe) e as variações de cores (além de trazer uma estética de fotografia muito interessante por Adam Robinson) se equiparam às sensações ao que Marilyn sente naquele determinado momento e buscando trazer o ato de confusão e angústia direta ao espectador.
Ana de Armas brilha - assustadoramente semelhante à icônica Marilyn Monroe (por vezes acabando por nos confundir com a própria ou quase tão bela quanto a original ?) - esbanjando graciosidade, anseios e medos. De Armas (mesmo sem o apoio da fraca narrativa), consegue se destacar incrivelmente trazendo a devida sensibilidade à representação do ícone.
Se a caracterização de Marilyn apresentada pela visão do diretor Andrew Dominik não tenha agradado ao menos o jogo técnico de fotografia parece ter combinado à eficiente atuação de Ana de Armas.
Ainda que suavemente apresente certa liberdade sexual que a mesma representava na história da cultura pop, a figura icônica de Marilyn em Blonde transparece em algo que queira parecer essencialmente cômico ainda que dramático - ela está mais recriada como uma vítima ou mero objeto mas Ana de Armas consegue se sobressair maior do que aparentes migalhas de narrativa cujo enredo só faltou realçar inteligência à personalidade que apresenta: a inteligência em buscar sua própria liberdade em fazer escolhas além de apenas surtos psicológicos ou apenas submissão aos controles emocionais de homens possessivos. Talvez demonstrar aqui também, de forma crítica, uma reação da personagem sobre esses abusos - algo que Tarantino faria de uma forma até mesmo muito bem exagerada (ainda que não precisasse chegar a esse nível).
Existe um suave confronto a respeito desses controles emocionais masculinos sobre a personagem Marilyn do filme, mas ficam gentilmente insinuados. Faltou simular que uma mulher de atitude como ela teriam reações mais radicais (ainda que abusos sejam reais mas, talvez, ela não tenha sido tão submissa assim).
Apesar dos pesares, a imagem de misticismo envolta da história de Marilyn está acorrentada às conexões do passado da celebridade com as ações em cena. Nesse ponto, é interessante a exploração artística de como um ator (ou atriz) pode encontrar inspirações em suas atuações. Mas não mergulha tão honradamente em suas conquistas - o que acaba por reduzir bastante ao pensamento de apenas uma personagem representada como "burra e loira" o que não é bem assim. Valendo considerar que estamos vendo uma versão personificada de Marilyn (muito bem representada por Ana de Armas, inclusive) em cena.
Enquanto possa transparecer desrespeitoso ou divida opiniões, a polêmica e chocante adaptação soa quase como uma piada de humor negro mas que ao analisar de forma profunda ela busca expressar todo o peso da misoginia e pressão por volta de uma grande estrela no início dos tempos do cinema da era de ouro em Hollywood. E essa realidade chocante na história nunca se pareceu tão atual ou dificilmente tais explorações de poder sobre o corpo alheio irão envelhecer.
Ainda que desconfortável, a intimidade da celebridade Marilyn na fantasia é exposta - por vezes chegando a soar uma ironia de tão absurdo. Mas até que ponto é verdade ou até que ponto a própria Marilyn concordaria como uma autêntica representação de si mesma ? Fica a grande questão.
Através de fatos e fotos, Blonde constrói o seu interessante interessante quebra-cabeça biográfico e tenta fazer o público mergulhar nas suas piores experiências possíveis. Ainda que a experiência esperada pela crítica especializada tenha sido mais emocional e não de ares fúnebre como receberam, a ideia de se fazer uma biografia sobre Marilyn para maiores de 18 anos é inédita, ousada e corajosa. Notável por fugir da caixinha mas pouco convincente como um drama equilibrado.
Aliás, fugir da caixinha (de uma história tradicional e quase carta branca) é sempre um desafio para poucos.
Para a sensibilidade dos movimentos sociais atuais, Blonde se trata de um modelo de adaptação audiovisual extremamente complicado. Temas polêmicos como aborto e abuso são temas muito delicados (ainda que o longa não romantize nada disso) mas a caracterização de uma ícone como Marilyn e todo o seu roteiro biográfico precisariam de camadas mais complexas (o que esclareceria melhor o conflito em todas as questões).
Encare Blonde como uma aventura de Marilyn Monroe em um pesadelo. Esse é o conturbado reflexo do que os anos envolvendo o nome da célebre atriz costuma ser lembrado ou costumam reconsiderar à base de curiosidades ou contos acerca dos seus fãs ou, simplesmente, o pensamento caótico dos mesmos. Mas se essa visão não te agrada, é melhor encontrar outra biografia dessa grandiosa estrela imortalizada como símbolo da feminilidade e de sua independência.
- Blonde teve produção de Brad Pitt e estreia no Cinema de Cannes sob grandes protestos dos críticos. Porém, foi ovacionada por 14 minutos e recebeu aplausos do produtor levando Ana de Armas às lágrimas.
- O longa tem Adrien Brody (O Pianista) entre uma das surpresas do elenco.
- Dividindo opiniões até mesmo entre as premiações: a adaptação recebeu 7 indicações ao Framboesa de Ouro (Pior Filme, Pior Diretor, Pior Ator, Pior Ator Coadjuvante, Pior Refilmagem - do seriado Blonde (2001), Pior Casal - Andrew Dominik e seus problemas com as mulheres e Pior Roteiro) e uma indicação ao Oscar 2023 para Ana de Armas.
- Em vida, Marilyn Monroe foi constatada com um QI acima de 165 pontos, 5 a mais que Albert Einstein e 3 acima de Stephen Hawking. E ainda era vista como dona de uma personalidade imatura, carente, instável e excessivamente sedutora; somada a uma autoestima baixa e constantes comportamentos autodestrutivos; chegando a receber, por parte de alguns psiquiatras, o diagnóstico de personalidade Borderline*.
*Boderline: geralmente é cientificamente constado por extremas alterações de hipersensibilidade e instabilidade nos relacionamentos interpessoais com incontroláveis flutuações de humor e impulsividade (o que explica Marilyn em sua movimentada vida de relacionamentos passageiros e conturbados).
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