Como Pânico salvou os filmes de terror e inspirou os adolescentes nos anos 90 ?
Lá em meados de 1996, Pânico veio de surpresa em meu acervo particular de VHS. Mal sabia que eu estava diante de um produto de grande sucesso. Pra mim, era aparentemente um suspense adulto: a julgar pela capa - muito impactante e que reservaria boas surpresas (algo como O Efeito Dominó, com Elisabeth Shue, lançado no mesmo período).
"A Morte está lá fora. Não abra a porta. Não atenda o telefone. E tente não entrar em...PÂNICO"
As descrições na capa já gerava uma expectativa alta e o resultado satisfez todas as minhas expectativas. Fui surpreendido com um divertido filme adolescente de terror como há muito tempo não se via, fugindo do clichê sobrenatural da cinessérie Sexta-Feira 13 (o qual não perdia um filme na TV Globo e nas locações de fim de semana) e das infinitas sequências de outros filmes do gênero sempre produções baratas ou apenas filmes para aproveitar a febre das locações.
Auto crítico com o gênero: foi assim que Pânico foi reconhecido em 1996. Não exatamente crítico com a sociedade como eu imaginava - uma crítica social contra o fanatismo dos jovens por filmes de terror e o quanto isso poderia transformá-los em psicopatas - isso seria um atentado do próprio Mestre do Terror, Wes Craven, contra a própria indústria cinematográfica. O próprio antagonista brinca: "-Não culpe os filmes de terror" - afinal de contas, qualquer coisa em excesso pode se tornar um pretexto, antes de colocar isso em questão, ou nas entrelinhas, a pergunta vira praticamente uma resposta bem humorada aos olhos dos roteiristas. A real mensagem de Pânico é mais simples: uma autoconsciência colocando em questão um debate entre os personagens sobre os clichês do gênero e subvertendo alguns para tornar a história mais autêntica e mais humana em relação ao que já foi apresentado. O assassino sente dor, se machuca, possui certa humanidade - ainda que o "susto final" se torna cada vez mais absurdo a cada nova sequência. De qualquer forma, Pânico é uma autoparódia contida com o gênero e foi um pouco mais além em suas duas primeiras sequências.
Pânico 2 veio em 1997, se consagrando verdadeiramente um filme dentro do filme. Este foi o primeiro Pânico que assisti no cinema - o único com a família toda - e foi um grande evento para mim. Aqui o cenário é ainda maior: o segundo coloca em questão a crítica aos clichês do cinema e, em especial, as suas continuações - da mesma forma que se aproveita deles para trazer ainda mais intensidade e identidade à sua história - ironicamente, ou não, os personagens do centro acabam sofrendo os desafios e os ataques que compõe uma sequência.
Curioso também é a música "Brothers-28221", composta por Hans Zimmer (originalmente do filme A Última Ameaça, de John Woo, 1996) ser um tema recorrente em Pânico 2 - é o tema do personagem Dewey (David Arquette) e que posteriormente ganha um remix no filme homônimo de 2022.
Em 2000, na transição dos anos 90 para uma nova década, devido aos eventos recentes do Massacre de Columbine, Pânico 3 teve sua história bastante comprometida. É o menos violento e o menos sombrio da trilogia. Com um certo foco nos personagens, ele é quase um filme de ação com uma certa devoção ao cinema - tendo, inclusive, participações especiais da eterna Princesa Leia de Star Wars: Carrie Fisher (1956-2016).
Pânico, em 1996, reviveu a vontade da indústria em investir nos filmes de terror adolescente. Tivemos Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado e Lenda Urbana, ambos de 97. Fora o curioso Prova Final (1998), um misto de terror e ficção científica adolescente dirigido por Robert Rodrigues (El Mariach, A Lenda do Pistoleiro) com roteiro de Kevin Williamson (o mesmo da cinessérie Pânico).
Ainda que tenha inspirado novos títulos pro gênero - com uma pegada noventista ou mais atualizada para novas audiências - nenhum deles conseguiram trazer uma qualidade tão boa ou tão única quanto Pânico. Ainda que tenha arrecadado alguns bons números, nenhum deles ficou marcado por muito tempo e esquecidos posteriormente após sua temporada de sucessos. Eram todos entretenimentos despretensiosos sem grandes ambições. Embora ainda teríamos surpresas excelentes que iam além do gênero terror como o drama adolescente Segundas Intenções, refilmagem de Ligações Perigosas (1988), trazia um elenco de adolescentes em ascensão nos filmes e seriados de terror daquela década, como: Sarah Michelle Gellar (Buffy: A Caça Vampiros, seriado foi uma refilmagem para a TV de um filme dos anos 80 e se tornou um grande sucesso) e Ryan Phillippe (Eu Sei o Que Vocês Fizeram ...). A julgar pela capa, Segundas Intenções tinha cara como mais um filme de suspense mas na verdade se trata da refilmagem de um clássico e um surpreendente filme de drama com os rostos do terror noventista. Simplesmente brilhante.
Apesar do Massacre de Columbine ter prejudicado Pânico 3, a ideia original de Kevin Williamson e Wes Craven coincidiu num evento real ainda em 1990. A história do assassino em série Daniel Harold Holling foi base de inspiração para a história do filme Pânico em 1996. O assassinato de 5 estudantes em agosto de 1990 na Flórida chocou os noticiários americanos. Danny Rolling tinha 36 anos e a tragédia ficou conhecida como o caso The Gainesville Ripper (como o estripador era conhecido). Rolling foi condenado à morte em 1994 até ser morto por injeção letal em 2006.
Subversões em Pânico (1996): a presença de Drew Barrymore trouxe uma incrível quebra de expectativa para quem aguardava por uma estrela famosa num filme de terror.
Aproveitando o hiato da cinessérie Pânico (o terceiro filme acabou considerado mesmo como o último), ainda nos anos 2000, chegava a série Todo Mundo em Pânico (2001), que reencontrava o Ghostface e o tornava um personagem de comédia besteirol numa série que desmitificava a imagem assustadora do assassino mascarado e parodiava os demais filmes do gênero (ou fora dele) na forma mais escrachada possível. Caras de pau, os irmãos Wayans (criadores da cinessérie) usaram o título "Scary Movie" no original (curiosamente, o título do roteiro original de Pânico, o clássico de 96). Porém, a fórmula Wayans sofreu desgastes e enterrou de vez os filmes de paródia - brilhantemente marcados entre os anos 80 e 90 com Corra que a Polícia Vem Aí (1988-1994), Apertem os Cintos.. O Piloto Sumiu (1980) e Top Gang 2: A Missão (1993). Até mesmo o próprio diretor desses longas entrou posteriormente, como roteirista, para tentar salvar a cinessérie de comédia de humor negro, iniciada pelos irmãos Wayans: Jim Abrahams (Todo Mundo em Pânico 4).
11 anos depois, Wes Craven nos retornava com Pânico 4 (2011), o seu último e autêntico trabalho na cinessérie. Agora o alvo eram as refilmagens e as novas regras inclusas.
Em memória ao mestre, este fatídico começo dos anos 2020 nos trouxe uma segunda surpresa após mais 11 anos. Foi planejado um seriado para a MTV e VH1, Pânico: A Série de TV (Scream: Resurrection), tendo inclusive a supervisão de Wes Craven, como produtor da primeira temporada. Foi um total de 3 temporadas, 30 episódios entre 2015 e 2019. Um quinto filme estava nos planos até que em 2022, a mídia surpreende com a primeira cena de Dewey (Arquette), mais velho, posando frente a casa dos assassinatos do primeiro filme - algo muito semelhante ao homônimo filme Halloween (também do mestre Wes Craven, e um dos primeiros do gênero de assassino de faca). E o mais surpreendente é que não esperamos por muito mais tempo e Pânico já se apresentou pronto - seguindo a tendência de títulos (sem número de continuidade) que tentam ser uma continuação com um cara de refilmagem.
Todos os personagens agora estão conscientes das regras - principalmente os protagonistas dos filmes anteriores - e isso é constantemente questionado também pelos expectadores mais experientes - e a tensão é estar sempre atento sobre quem é o assassino no meio do grupo. Isso vira até uma constante brincadeira de adivinhação e piadinhas extremamente funcionais: "-Eu acho que você é o assassino. " (algo como o apontamento entre os Homens-Aranhas). E é nessa tensão crescente é que os cortes de edição e os efeitos sonoros acrescentam brilhantemente ao entretenimento despretensioso mas não menos ousado. Há ainda uma inserção inédita do terror psicológico que se pressionasse ainda mais o filme se tornaria um insuportável longa paranoico (o que seria ainda mais impactante) a ponto de deixar o expectador confuso (e em pontos cruciais, ele realmente consegue).
De qualquer forma, os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett conseguiram atingir uma bela celebração ao legado de Wes Craven (1939-2015). Pânico se mantém o mais sádico e único dentre suas continuações.
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