sábado, 6 de fevereiro de 2021

[Sessão Crítica] Decisão Amarga (1956): A Origem Obscura de um Clássico


UM BELO 'PILOT TWIST'

Decisão Amarga é um pequeno grande clássico que se tornou raridade hoje em dia, mas eventualmente é lembrado. Ainda mais que a sua história de inspiração é bastante interessante. Acabou ganhando conhecimento do público graças ao seu breve e inédito lançamento no Brasil pela Classicine em 2018. Possivelmente, o longa nunca foi produzido para VHS por aqui.

O diretor estreante, e indicado ao Emmy, Alex Segal (que, até então, só havia dirigido algumas produções para a rádio e TV) conduz Glenn Ford e Donna Reed como o casal de protagonistas.

O drama conta a história de uma família rica que tem suas vidas e relações transformadas com os transtornos após o seu filho ser sequestrado. Sem esperanças de reencontrar o filho com vida, Dave (Ford) tem uma atitude inesperada.

A surpresa do elenco é Leslie Nielsen - mais conhecido pela geração oitentista pela cinessérie Corra Que a Polícia Vem Aí. Antes de entrar pra comédia, ele era melhor conhecido como um galã de Hollywood. Aí ele está em uma atuação dramática - quem nunca o tinha visto dessa forma, se não pela comédia, vai se surpreender.

É interessante notar aqui o estilo de atuação dramática mais teatral dos filmes dos anos 50 - muito levada por inspiração de novelas e séries - e alguns estereótipos - quanto a classe mais pobre e servente ser representada por um casal de elenco composta por pessoas negras: Juano Hernandez (Jesse Chapman) e Juanita Moore (Shirley Lorraine), respectivamente.

Curiosamente, Juano (1896-1970) é um ator nascido em Porto Rico mas viveu uma infância no Brasil cantando nas ruas em troca de comida. Já o caso de Moore, ela ficou mais conhecida por sua atuação em Imitação da Vida (1959), adaptação de um outrora controverso romance sobre racismo de Fannie Hurst. Ela também ficou marcada por atuar em um período em que grandes estúdios reservavam poucas oportunidades a atores negros, foi uma das primeiras vencedoras do Oscar de Melhor Atriz.

O longa nos acostuma por minutos muito bem aproveitados - tanto na introdução (descrevendo como um conto) como na relação entre a mãe, Edith Stannard (Donna Reed), o pai, David G. Stannard (Glenn Ford), e o filho, David Stannard (Bobby Clark), de uma maneira muito natural os fortes laços de intimidade até alguns leves conflitos que desperta emoção ao se espelhar de forma transparente com o público. E a forma como isso tudo se desmancha e as feições do casal principal muda em relação a trágica situação. Toda a centralização gira em torno de Glenn Ford, mas a direção é deixada ao espectador testemunhar toda a situação de longe. Enquanto o mistério tenta ser solucionado e acompanhamos e compramos o sofrimento dos personagens, o telefonema e os momentos de silêncio que, de alguma forma, nos fazem desconfiar de forma espontânea, não entregam nada até o último minuto.

Mesmo os coadjuvantes marcam presença. Com suas inconveniências, a atuação de um debochado Leslie Nielsen, na pele de Charlie Telfer, um jornalista de tabloide, cria uma dinâmica sutilmente irreverente. Robert Keith (o chefe de polícia, Jim Backett) transporta carisma de forma autêntica, sendo também uma peça importante na narrativa que tenta trabalhar harmonicamente numa espécie de subconsciência do protagonista ao lado do personagem de Nielsen. Uma técnica de narrativa que procurava acrescentar algo sonoro que substituísse o subtexto, muito comum em pequenos dramas daquela era do cinema - às vezes, o coadjuvante tentava apresentar as qualidades encontradas no personagem principal ou em um momento de reflexão eles estavam ali para acrescentar mais ao diálogo que, na realidade, podia ser facilmente substituído por um silêncio envolto de pensamentos. É por essas que a sensação maior é que muitos diretores parecem detestar falas em off - Ridley Scott que o diga.

Ainda sobre presenças notáveis de coadjuvantes, vale lembrar que o personagem de Juano Hernandez tem sua presença importante como um fiel guardião do protagonista da história - como a breve sequência em que o mesmo o prepara durante o descanso (um verdadeiro deleite emocional visualmente descrito).

A grande lição que Decisão Amarga nos deixa no fim, apesar de uma simulação com seus toques de fantasia, é que acreditar fortemente em algo pode nos fazer alcançar o impossível. É a história que trata de uma prova de coragem. Está justificado por que o ator Mel Gibson, sendo cristão, aceitou fazer fazer parte de um projeto que este filme originou anos mais tarde.


Refilmagem nos anos 90

Este notável trabalho inspirou uma obra de grande sucesso 40 anos depois o que garantiu melhor reconhecimento. Quem acompanhava a série de livros Guia do Vídeo da editora Nova Cultural, pode ter ouvido falar ao ler a análise de O Preço de um Resgate, o qual ele é citado. Isso por que o longa de 1996, estrelado por Mel Gibson, Rene Russo e Gary Sinise, é uma refilmagem de Decisão Amarga. O Preço de um Resgate contou ainda com a direção do oscarizado Ron Roward e foi considerado um dos melhores filmes de 1996 - sucesso tanto público quanto de crítica. Sem dúvida alguma, resultou num dos melhores filmes de sequestros já feitos.

Bilheteria: Decisão Amarga teve um orçamento de U$$ 1.003 milhões e considerável retorno de U$$ 2.172 milhões. O Preço de um Resgate teve um orçamento de U$$ 70 milhões e retorno de U$$ 309, 5 milhões. A história de sequestro retornou em um sucesso arrebatador.

Tanto Decisão Amarga quanto O Preço de um Resgate, são filmes radicalmente diferentes um do outro. A bruta diferença está no foco em que cada um direciona o gênero. Se em Decisão Amarga o foco está no drama, com um leve toque de mistério, O Preço de um Resgate reúne suspense e drama policial - tendo Mel Gibson, um astro dos filmes de ação dos anos 80, encabeçando o elenco. A refilmagem é tão frenética e tão bem construída, assim como o filme original, que ambos se completam, cada um da sua maneira. Essa é a melhor vantagem de uma boa refilmagem ou uma boa adaptação - de que não é necessário repetir a dose mas simplesmente fazer de uma forma que possa preencher a obra original e O Preço de um Resgate o faz muito bem. Sem contar que ambos possuem um final incrível - o primeiro, de 56, é bastante marcante e o segundo, de 96, completamente impactante.

Momento Pós-Crítica
Analisando e teorizando os títulos
(Ransom ! x Ransom)


Curiosamente, o título original do longa de 96 se chama Ransom. Decisão Amarga, no original, é Ransom ! . Em teoria e traduzindo, como um diálogo, expressa emergência: "Resgate!" ou "Atenção, Resgate! Resgate!" como se fosse a notícia de um jornal ou até mesmo a visão otimista de uma conclusão, título de grande impacto. Mas se levar em consideração o slogan original: "-Quando o telefone toca, isso quer dizer Morte ou... Resgate !" o termo significa o trecho de uma ameaça. Só pelos dois títulos, já dá pra notar a diferença, uma vez que o título de 96 parece mais se associar a uma "Missão de Resgate" ou "Missão Resgate" como o segundo filme é de ação.

SESSÃO CRÍTICA
DECISÃO AMARGA
Slogans: "Do que você seria capaz para salvar seu filho ?" "-Quando o telefone toca, isso quer dizer Morte ou... Resgate !"
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