quinta-feira, 3 de outubro de 2019

[Sessão Crítica] Coringa

FORTE DEMAIS 
PARA UM MUNDO OPORTUNISTA
Ainda que não seja uma autêntica cópia física do personagem, O Coringa, na visão do diretor Todd Phillips, está lá, em sua essência. Partindo do pensamento filosófico de Jean-Jacques Rousseau: "O Meio Influencia o Homem" - o ódio ao redor de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) o molda e o desconstrói gradativamente do início ao fim. Pobre, fisicamente indefeso e mentalmente instável, Fleck mergulha na turbulência diária da cidade e testemunhamos sua vida desmoronar drasticamente. 


Se queria ver um filme engraçado (ou de humor negro) sobre o palhaço do crime, então espere um filme bem forte sobre o oposto disso. É rir para não chorar, mas não recomendável para mentes frágeis. Situações de riso são identificadas como momentos tristes e momentos que se mostram espontâneos é que se tornam a graça da piada ruim (como um azar e o fracasso se tornam o passo para esta transformação destrutiva). Não é humor negro, é drama com gênero policial - muita das características identificáveis com os grandes longas da década de 70 - com alguma ambientação na década de 80.

Apesar de inicialmente apresentado com um filme de Martin Scorsese (sendo ele também cotado como produtor) o trabalho de Phillips - mesmo conhecido por dirigir uma comédia besteirol de sucesso (Se Beber Não Case) - consegue construir uma bela obra de efeitos clássicos ao estilo de Scorsese, com seu toque pessoal - um misto de alguma comédia dramática e suspense.

Coringa é um passo muito bom para os filmes de Super-Heróis. Ele pode ser lido com uma história em quadrinhos alternativa do Bat-antagonista escrito na mais pura inspiração.  Se é bom para o Oscar? A questão fica: Phoenix é um ator de peso - sem contar a presença surpresa de Robert de Niro (Murray Franklin), uma herança de Scorsese que inspira o longa. Vale lembrar que no histórico da Academia, longas de fantasia tem grande dificuldade em receber indicações em categorias principais (mas quando recebe, há uma grande probabilidade de vitória quando o mesmo tem forte influencia ou apelo histórico na industria do entretenimento - O Senhor dos Anéis, por exemplo, foi uma febre para a cultura americana nos anos 60 e inspirador para muitas histórias de fantasia que reviveram nos anos 2000). Há muitos obstáculos para que esta pergunta seja respondida.

A escalação de então experiente ator principal ( o nosso querido Joaquin Phoenix, este que eu venero desde sua presença em Gladiador - vencedor do Oscar 2001)  trouxe forte expectativa e todas elas foram superadas pela sua profunda dedicação. Se fantasia não se torna algo favorável ao Oscar ou até mesmo o teor de violência apresentado pela história - o que também dificulta pro próprio longa ser indicado a Melhor Filme, por exemplo - nos deparamos ainda com mais um outro Bat-obstáculo que poderia compor essa " Liga da (in) Justiça" : O Coringa de Phoenix pode ser encarado como um personagem fruto de uma refilmagem ou de uma sequência (estas características também correm risco de serem levados em consideração pelo Oscar para, infelizmente, desconsiderá-lo).

Mas sim, levando em consideração a extrema complexidade do personagem, há uma possibilidade sim de indicação na categoria de Melhor Ator - é uma grande aposta - já que Coringa tem uma carta bem valiosa na manga: muitos atores indicados e vencedores do Oscar, costumam receber essa honra através de papéis de personagens complexos (geralmente em condições especiais e, em alguns casos, criminosos inteligentes) e Coringa é um personagem que praticamente extrapola os limites da realidade mas, mesmo mergulhado na fantasia (sendo ele, é claro, um personagem fictício), há sentido em sua caracterização se o compararmos a um louco ou a um psicopata. Essas características entram na categoria: "atuação dramática" um tipo de apelido bem familiar para os velhotes do Oscar.

Do início exageradamente perturbador, em seus primeiros minutos, o personagem chega a ser irritante o que é complicado se simpatizar emocionalmente com o mesmo - chegando a soar como um canto desafinado. Essas arestas vão se amparando e se moldando de uma forma que conseguimos digerir e aceitar toda a situação. Adaptações nesse sentido são complicadas pois se não toma um sentido interessante acaba causando uma irritação desastrosa - Foi assim com Logan (o silencio  que posteriormente ganha fala na metade) e com 007 Operação Skyfall (seu desafinamento é mais ou menos logo no fim). São exemplos de obras completamente distintas do longa que está em questão aqui mas ambos também buscam tomar proporções épicas dentro de uma marca ou franquia já consagrada por terem sido sempre considerados como algo de nicho na cultura pop e, de repente, recebem um tratamento de primeiro mundo (Logan, o primeiro longa de Super-Herói indicado a roteiro adaptado e 007 Operação Skyfall com direção do Oscarizado Sam Mendes de Beleza Americana).

E esse é Coringa, um longa metragem de apenas U$$ 55 milhões (orçamento baixo para os tempos atuais) com cara de filme independente e cheio de qualidades dentro de modestos truques artísticos ou técnicos e atuações ou caracterizações (de Niro, como sempre esplendido, defende seu personagem com bastante personalidade, na sua formalidade e fineza, e faz o expectador realmente acreditar que é um homem do show).

Na fotografia, vale também destacar o jogo de luzes e sombras que cria uma atmosfera ainda mais pesada para momentos chocantes que farão seu coração pulsar ou te fazer pular da cadeira com o inesperado.  Na trilha sonora, não poderia existir outro melhor encaixe - dos acordes perturbadores e de tom intrigante da compositora Hildur Guðnadóttir (que chega a lembrar Eric Serra de O Profissional, O Quinto Elemento e 007 Contra GoldenEye) à regravação do clássico "Smile" de  Jimmy Durante (e por que Coringa não teve uma música desse tema antes ?) e , além do mais, vale destacar outros ótimos artistas do álbum (aonde letras ou palavras remetem a características do Coringa no filme).

E por que Coringa é tão sério? Precisa ? Foi necessário ?  Foi. Simples e direta resposta. Como um personagem que é parte integrante de uma série de contos sobre crime e que fala com a sociedade mundial desde um período avassalador e pálido para a sociedade Americana (A Grande Depressão de 29) não existe melhor época para colocar em prática uma história sobre o caos da sociedade. 

O filme foi criticado pelo seu teor de violência em algumas mídias. Independente disso ter sido uma estratégia comercial para ganhar visualizações ou não, talvez, Coringa esteja nos lançando uma mensagem que muitos puritanos posudos por aí ainda não pegaram. Se tiver estomago e mente forte, assista e encare como uma reflexão.




SESSÃO CRÍTICA
CORINGA
Sessão Acompanhada: UCI Parkshopping - P - 08 - 20:15 - 02/10/2019 (Pré-Estréia) 
Slogan: "Coloque um Sorriso nessa Cara"
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