A MARCA DA VINGANÇA
Já estamos cientes, com a forma esquentada com que a sociedade discute política e questões sociais atualmente, que cada vez mais filmes de ação arrasa-quarteirões se tornam ainda mais isolados a um novo gênero cult do cinema pipocão (será que em algum momento serão extintos como os filmes de ação políticos ?). John Rambo, para o desespero de alguns, está de volta - um ícone dos anos 80 - fictício herói de guerra originário da literatura e influente super-herói do cinema de ação daquela década (sem uniforme e máscara, embora a bandana tenha se tornado a sua principal referência, inclusive).
Rambo Até o Fim (o subtitulo Last Blood, traduzido Até o Fim, faz uma analogia ao título do Primeiro filme: First Blood) chega aos cinemas com orçamento de U$$ 50 Milhões e faturamento inicialmente estimado em U$$ 19 Milhões até agora. Uma aposta arriscada para os tempos atuais de campanha acirrada contra o politicamente incorreto ?
Os 89 minutos parece um tempo curto para um longa metragem de marca como Rambo Até o Fim, mas consegue estabelecer um trabalho satisfatório para mesclar história e momentos de ação sem cansar e tornar esta viagem algo agradável e de sensação recheada (como se fosse bem mais do que 89 minutos). Não é um longa que se mostra curto (não arrastado, mas completo) pela devida exploração emocional e paterna - os laços expressivamente fortes entre Rambo (Sylvester Stallone) e sua sobrinha Gabrielle (Yvette Monreal) criam uma ótica pouco comum de como compreendemos essas aproximações. É interessante a forma sutil como é apresentada esse choque de gerações.
É uma regra em toda história de ação de tom melancólico a questão do sofrimento, seja do protagonista ou daqueles que são o centro da história. Para Rambo, o mundo jamais saiu da fatídica Guerra do Vietnã - identificamos isso através de seus traumas do passado e da sinopse que nos leva a também lembrar da recente notícia em que jovens brasileiras estariam sendo traficadas no exterior com promessa de se tornarem estrelas do K-Pop na Coréia. O tráfico de mulheres não é algo recente, o inferno da prisão da liberdade é também parte de um sofrimento de guerra e isso é, de alguma forma, explorada em momentos consideráveis na narrativa - sem poupar o ambiente sujo e violento - a prostituição se transforma, em simbologia, um ato de escravidão criado por um poderoso negócio em um sistema incontrolável. Para os mais sensibilizados com a causa, cabe refletir se não vale à pena mudar alguns hábitos em sua forma de pensar sobre o mundo.
Na visão de Stallone, Rambo se emociona como muitos outros heróis fictícios de guerra (é mais forte que as lágrimas) mas também pode ser interpretado como um personagem que já teve muito de suas lágrimas secadas com as perdas e sofrimentos do passado. Esse clima sóbrio é suavizado pela presença graciosa e jovial de Yvette, defendendo muito bem sua personagem Gabrielle, e Carmen Delgado vem como a surpresa do elenco na pele da misteriosa Paz Vega (uma espécie de versão feminina e mais consciente de Rambo). E Sergio Peris-Mancheta, na pele de Hugo Martírez, encabeça uma nova geração de vilões prontos para serem odiados pelo público da melhor forma sem acreditarem que estão subestimando o maior e verdadeiro justiceiro do cinema (e o risco que cometem ao serem vitimados por ele).
E falando em questões visuais - aquelas cenas ilustradas em questão - a revolta de Rambo vai mesmo até Até o Fim e não poupa esforços à ninguém - sobrando até uma aparente cutucadinha ao governo Trump ( a cena do rompimento de uma cerca entre EUA x Mexico).
O diretor Adrian Grunberg conseguiu desenvolver um bom trabalho em remeter o tom original dos filmes do gênero anos 80 - com um plus a mais (um certo protagonismo feminino e truques elementais do atual cinema popular) - com a trilha épica de Brian Tyler (Homem de Ferro 3) para temperar o filme de ação.
Em tempos atuais que já dominam outros grandes heróis de ação, como John Wick e Jason Bourne, Rambo já encarou desafios bem maiores que esse. Mas, como já comentado no início, Rambo Até o Fim é entretenimento limitado e sincero com um público já engajado no estilo anos 80 - sobra pouco para a geração atual e politicamente correta. Não é entretenimento para todas as audiências - desde que seja essa audiência politicamente correta que não distingue a ficção da realidade. Se você for fiel seguidor dessa atual geração, eu recomendo trocar de sessão - caso contrário, vai se divertir e se emocionar como um velho e bom fã (ainda mais se este for, em anos, seu primeiro filme de Rambo no cinema).
Memória Pós-Crítica
A galera lembra de Esqueceram de Mim. Mas não foi Esqueceram de Mim que se inspirou em Rambo?
Teorizando: Numa tradução, ao pé da letra ou propriamente dita, com base na história: Last (Último) Blood (Sangue) seria A Última Gota de Sangue; com base nessa ideia, a tradução do título do primeiro filme, First (Primeiro) Blood (Sangue), seria A Primeira Gota de Sangue. Ou seja: Fica em pé o último (ou o primeiro) que matar - parece mais uma homenagem ao faroeste.
Memórias da Sessão
Como sempre, o cinema deixou as luzes acessas nas cenas de crédito. O mais curioso foi notar a citação ao título do filme com o Rambo V (V como símbolo de ReVenge - faz mais sentido lendo no nosso bom português: Vingança) ao fim dos créditos. O público estava bem queto. Por curiosidade, vi um último casal ao fundo - o último a sair depois de mim. Desconfiei que a moça era alguém conhecida quando então eu a vi filmando frente ao poster - era ninguém mais e ninguém menos que Amagabi, uma blogueira cinéfila criadora e dona de algumas de comunidade de cinema pelo Facebook. Ela então disse que havia gravado uma partida jogando Tekken 7 e seu personagem principal era o Eddy. Daí, caminhamos em grupo conversando um bocado sobre John Wick, Rambo e os filmes de ação.
SESSÃO CRÍTICA
Título Original: Rambo: Last Blood
Sessão Acompanhada: UCI Parkshopping Campo Grande - P 18 - 21/09/2019