U M A L E R T A A O M
U N D O
Baseado em fatos
pesadíssimos, Infiltrado na Klan se passa nos anos 70 e conta a história real de Ron
Stalworth, o primeiro policial negro a entrar para o departamento de Colorado Springs
e que consegue se infiltrar na Klu Klux Klan. Quando precisa estar fisicamente
presente, designa um policial branco em seu lugar. Ron se aproxima do líder da
seita e fica responsável por sabotar uma série de crimes de ódio orquestrado
pelos racistas.
Baseado no livro do
próprio Stalworth (The Black Klashman) a adaptação é lida romanticamente como
um conto, parece mentira, mas é verdade. A cinebiografia segue sua trajetória
de maneira fantástica como comédia dramática. É de rir com os absurdos. Uma
verdadeira exposição ao ridículo das mentes perigosas.
É recorrente
conviver num mundo tão mais próximo com as redes sociais e sempre ler e ouvir
que não existe racismo. Que não há necessidade para se preocupar com tal em
tempos atuais. Que tais movimentos contra o racismo são fora de época. Que o
racismo só existe na visão de alguém. As cenas reais que alternam em relação
com a cinebiografia provam o contrário. Sobram até pitacos, de referências a
insinuações teatrais, à indústria cinematográfica. E, como é bem transparente,
a obra audiovisual acaba sendo um crucial elemento que, de alguma forma, ajuda
a moldar facilmente a sociedade.
O elemento didático pega pesado contra o governo Trump, um dos seus alvos mais profundos, o que causa uma certa inconformidade de alguns críticos de direita,
mas faz o necessário para envolver, com esperteza, dentro do seu tempo de 143
minutos. Ainda que ambientado nos anos
70, é incrível como existem essenciais camadas que nos alerta do futuro sobre
este destrutivo movimento social – as relações políticas e seus interesses não
passam despercebidos.
O racismo é um
preconceito da mais alta ignorância, é burrice. Pura burrice. Spike Lee, chegou
ao seu auge a ponto de nos fazer até mesmo nos divertir com essa mensagem que é um belo soco no estomago da forma mais ácida.
Seu primeiro e grande longa revelação, Faça a Coisa Certa (1989) já nos jogava
na cara uma conscientização, de forma reflexiva, a respeito desse tema que
assola e separa tanto a humanidade.
A grande surpresa
no elenco é Adam Driver – indicado ao Oscar de Melhor Coadjuvante. Para quem se
acostumou a vê-lo como o vilão líder da Primeira Ordem, Kylo Ren, na atual trilogia Star Wars, vai
poder se simpatizar com sua outra vertente, agora como o mocinho. A dobradinha entre
John David Washington (Stalworth) e Laura Harrier (Patrice) é agradável,
dinâmica, funcional e muito inspiradora em cena, a ponto de nos deixar
órfãos por mais casais carismáticos assim. A personalidade de Stalworth e as
mensagens da comunidade negra deixam uma certa confiança sobre tais origens. O
roteiro (vencedor do Oscar 2019) é autêntico e fantasticamente espirituoso (nos
coloca dentro da situação).
Distribuindo dose
de humor crítico e conceitos filosóficos existencialistas para os cultuados
mais atentos, a trilha sonora de Terence
Blanchard (indicada ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original) complementa
fortemente a ação, cenário de fundo, já com grande introdução e nos momentos
necessários, assumindo o climão de filme policial setentista de raiz –
auxiliados também à fotografia, que traz alguma tonalidade acinzentada em
determinado ambiente. A montagem (também indicada ao Oscar 2019) mexe com a
dualidade entre os heróis e os mocinhos ora de uma forma angustiante ora
imperceptível entre ficção e realidade. Sua conclusão é de um tremendo choque
para as mentes pensantes, menos para os hipócritas.
A verdade é que não deveria haver diferenças
de raças já que somos todos da mesma espécie. Mas vida que segue, não é mesmo ?
Momento Pós-Crítica
O título original
em inglês, The BlacKkKlashman, se assemelha a um título de um pequeno filme de
1966: The Black Klashman. A produção de baixo orçamento dirigido por Ted V.
Mikels foi lançado em sua época com o título “I Crossed The Color Line “ - os termos " Color Line " (linha de cor) estão intimamente ligados ao Racismo, numa tradução fiel significaria: "Eu Cruzei o Racismo".
Na sinopse de 66, se
passa no histórico período do Movimento dos Direitos Civis dos Negros nos
E.U.A. quando um homem afro-americano, Jerry Ellworth (Richard Gildren), é um
músico de jazz de Los Angeles com uma namorada branca. Enquanto isso, em um
restaurante no Alabama, um jovem negro tenta exercer seus direitos civis
sentando-se em um restaurante local. Quando a Klu Klux Klan tem ciência do
acontecimento, eles incendiam uma igreja matando a filha de Jerry. Quando
Ellworth descobre, ele se muda para o Alabama para se infiltrar no grupo
responsável pela morte de sua filha. Jerry veste seu disfarce e torna membro do
círculo, fazendo amizade com o líder local a fim de prometer sua vingança.
As semelhanças não
são meras coincidências. É notável que, além da história, o sobrenome do
protagonista é Ellworth – claramente inspirado em Stalworth – com algumas
diferenças biográficas, no lugar de policial é um músico e tem de lidar com a
perda da filha – sem contar a inédita relação inter-racial. Tudo isso bem antes de Ron Stalworth ir à
público lançar os detalhes da sua investigação no livro (com o mesmo título
original do filme) de 2014.
A outra curiosidade
é que o ator, intérprete do filme de 66, é branco. Entrando aí a longa polêmica
do tema Whitewashing
(embranquecimento) de atores até o século XX em Hollywood. Como se tratava de
uma produção de baixo orçamento, em um grande período de minorias negras no
ramo, possivelmente houve dificuldade de se encontrar um ator de cor para o
papel ou para desenvolver os processos de transformação do personagem no longa.
O filme adaptado de
2019, indicado a 6 Oscars inclusive Melhor Filme, consagra com justiça a
estatueta de Melhor Roteiro Adaptado – o primeiro da carreira de Spike Lee
desde o Oscar Honorário de 2015.
Mas para Spike Lee,
aparentemente, o reconhecimento foi ainda pouco já que deu as costas para o
resultado de Melhor Filme para Greek Book. " - Esse é meu sexto copo [de champagne] e vocês sabem o motivo. Toda vez que alguém está dirigindo outra pessoa eu perco. Mas em 89 eu nem cheguei a ser indicado " , revela o diretor, que é o maior ativista dos negros no cinema, se referindo ao premiado Conduzindo Miss Daisy em comparação ao seu icônico Faça a Coisa Certa.