quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

[Sessão Crítica] Ainda Estou Aqui - O Brasil de volta ao Oscar

 

O Brasil já alcançou reconhecimento em diversas áreas do esporte – seja na Fórmula 1 (com o eterno Ayrton Senna), na ginástica (com nomes como Daniele Hypólito, Daiane dos Santos e, mais recentemente, Rebeca Andrade) ou no futebol (com o inesquecível tetracampeonato de Bebeto e Romário e o penta de Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho). No entanto, o cinema nacional ainda luta para conquistar um espaço consolidado no cenário internacional.

Nos anos 90, parecia natural ver o Brasil entre os indicados ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Em 1996, tivemos O Quatrilho; em 1998, O Que É Isso, Companheiro?; e, para encerrar a década com chave de ouro, Central do Brasil foi indicado em 1999.

Se voltarmos um pouco mais no tempo, o cinema brasileiro só começou a disputar o Oscar em 1963, com O Pagador de Promessas – ou seja, 34 anos depois da primeira premiação da Academia e 36 anos após sua fundação.

Já no século XXI, o recordista de indicações brasileiras foi Cidade de Deus (2002), um fenômeno do cinema nacional que conquistou o mundo. Com produção e orçamento de padrão internacional, o filme recriou de forma crua e impactante a origem das favelas. Apesar de ter sido indicado a quatro categorias, surpreendentemente, não concorreu a Melhor Filme ou Melhor Filme Internacional – categorias em que tinha grande potencial de vitória.

Mesmo sem disputar o Oscar, o cinema nacional repetiu o impacto mundial com Tropa de Elite e sua sequência, Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. O primeiro filme chocou o público com sua abordagem inédita e foi consagrado na Europa ao vencer o Urso de Ouro no Festival de Berlim.

Com Cidade de Deus e Tropa de Elite, o Brasil encontrou sua fórmula para filmes de ação. Apesar disso, uma parcela do público propagou a falsa ideia de que o cinema nacional se resumia a "favela movies". Na realidade, esses títulos ajudaram a impulsionar a produção audiovisual brasileira, levando ao crescimento do mercado e ao sucesso de filmes de diversos gêneros – especialmente comédias e animações infantis, que lotaram salas de cinema nos anos seguintes.

Entretanto, o cinema brasileiro tem muito mais a oferecer além desses gêneros. O drama, por exemplo, tem se mostrado uma área promissora, e é inegável que o tema das favelas continua recorrente – não por falta de criatividade, mas porque reflete a realidade social do país.

O retorno do Brasil ao Oscar

Agora, com Ainda Estou Aqui, Walter Salles (Central do Brasil) retorna aos holofotes do Oscar com um filme que se encaixa perfeitamente no perfil da premiação: um drama histórico.

Baseado no livro do escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, lançado em 2015, o filme retrata um dos períodos mais sombrios da história do Brasil – um país que, apesar de ser visto como pacífico e democrático, já viveu tempos de censura e repressão.

Durante a ditadura militar, qualquer pessoa poderia ser considerada uma ameaça ao regime – mesmo sem cometer crimes. Apenas o fato de conhecer alguém envolvido na resistência já poderia ser motivo para perseguição. Nesse contexto, Ainda Estou Aqui conta a história sob a perspectiva de uma criança que cresceu nesse período turbulento e viu sua família ser afetada ao longo de três décadas.

A narrativa começa nos anos 70, passa pelos anos 90 e termina na década de 2010. Diferente de outras obras sobre o tema, o filme não enfatiza a violência gráfica, mas sim o impacto psicológico do silêncio – mostrando como as dores reprimidas podem se acumular até atingirem consequências irreversíveis. A mensagem, para quem estiver disposto a compreendê-la, é poderosa: muitas vezes, sofrer calado não significa estar curado.

Fernanda Torres e a conquista do Oscar

O filme também chama a atenção por sua estrutura narrativa diferenciada, utilizando duas atrizes para interpretar a mesma personagem em momentos distintos da história. Isso pode causar certa estranheza para os espectadores mais detalhistas, mas não compromete o impacto da obra.

Com um orçamento modesto de R$ 8,8 milhões – o mais baixo entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme 2025 –, Ainda Estou Aqui estreou em 7 de novembro de 2024 e retornou aos cinemas após a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro de Melhor Atriz. Atualmente, o filme já faturou R$ 1 milhão nas bilheteiras e foi assistido por 4 milhões de espectadores, com crescimento contínuo. O longa foi indicado a três prêmios no Oscar: Melhor Atriz, Melhor Filme Internacional e Melhor Filme.

Em um momento em que a indústria cinematográfica é cada vez mais dominada por tecnologias como inteligência artificial, Ainda Estou Aqui se destaca por sua abordagem clássica, valorizando a narrativa e a interpretação acima dos efeitos visuais.

Com essa indicação inédita na categoria principal do Oscar, o Brasil dá mais um passo importante no reconhecimento de seu cinema – e, independentemente do resultado, já conquistou um lugar de destaque na história da premiação.



MEMÓRIAS DA SESSÃO 

Data de Fundação do Cinema Brasileiro

O cinema brasileiro surgiu no final do século XIX, com a primeira exibição pública de filmes em 1896 e as primeiras filmagens em 1898.

Exibição pública

A primeira exibição pública de cinema no Brasil aconteceu em 5 de novembro de 1896, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. O evento reuniu a elite carioca, que assistiu a oito pequenos filmes, cada um com cerca de um minuto de duração.

Primeiras filmagens

A primeira filmagem realizada no Brasil ocorreu em 19 de junho de 1898, a bordo do navio francês Brésil. O responsável pela gravação foi Afonso Segreto, um imigrante italiano, que registrou a entrada da Baía de Guanabara. Embora o filme não tenha sido preservado, há registros em jornais da época e 24 fotogramas da filmagem que se encontram no Arquivo Nacional.

Ao longo da história do cinema brasileiro, diversos gêneros surgiram, como o Cinema Novo, as chanchadas, o movimento udigrúdi, entre outros, contribuindo para a diversidade e a identidade cinematográfica do país.

Primeiros filmes

Os primeiros filmes gravados no Brasil eram, em sua maioria, documentários. O curta-metragem Os Estranguladores (1908), de Francisco Marzullo e Antônio Leal, é considerado a primeira obra de ficção do cinema nacional. Já o primeiro longa-metragem foi O Crime dos Banhados (1914), dirigido por Francisco Santos.

As produções de ficção, conhecidas como filmes “posados”, eram realizadas principalmente pelos proprietários das salas de cinema do Rio de Janeiro e São Paulo. Muitas dessas histórias eram inspiradas em crimes reais, embora houvesse também comédias. Outro formato popular da época eram os chamados filmes “cantados”, nos quais os atores dublavam a si mesmos por trás da tela. Além disso, adaptações cinematográficas de obras literárias também faziam sucesso com o público.

O mercado nacional sofreu mudanças estruturais durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Com a queda na produção europeia, as salas de cinema brasileiras passaram a ser dominadas por filmes de Hollywood, que chegavam ao país isentos de taxas alfandegárias. Esse fator contribuiu para o enfraquecimento da produção cinematográfica local.


A Repercussão do Cinema Nacional no Oscar


Ao longo dos anos, diversos filmes brasileiros foram indicados ao Oscar em várias categorias. Abaixo, apresento uma lista desses filmes e suas respectivas indicações:

Melhor Filme Internacional (anteriormente Melhor Filme Estrangeiro):

  • "O Pagador de Promessas" (1962): Indicado em 1963.
  • "O Quatrilho" (1995): Indicado em 1996.
  • "O Que É Isso, Companheiro?" (1997): Indicado em 1998.
  • "Central do Brasil" (1998): Indicado em 1999.
  • "Ainda Estou Aqui" (2024): Indicado em 2025.

Melhor Direção:

  • Fernando Meirelles por "Cidade de Deus" (2002): Indicado em 2004.

Melhor Atriz:

  • Fernanda Montenegro por "Central do Brasil" (1998): Indicação em 1999.
  • Fernanda Torres por "Ainda Estou Aqui" (2024): Indicação em 2025.

Melhor Roteiro Adaptado:

  • Bráulio Mantovani por "Cidade de Deus" (2002): Indicado em 2004.

Melhor Fotografia:

  • César Charlone por "Cidade de Deus" (2002): Indicado em 2004.

Melhor Edição:

  • Daniel Rezende por "Cidade de Deus" (2002): Indicado em 2004.

Melhor Filme de Animação:

  • "O Menino e o Mundo" (2013): Indicado em 2016.

Melhor Documentário:

  • "Lixo Extraordinário" (2010): Indicado em 2011.
  • "O Sal da Terra" (2014): Indicado em 2015.
  • "Democracia em Vertigem" (2019): Indicado em 2020.

Melhor Documentário de Curta-Metragem:

  • "Uma História de Futebol" (1998): Indicado em 2001.
  • "Onde Eu Moro" (2021): Indicado em 2022.

Melhor Canção Original:

  • "Rio de Janeiro" de Ary Barroso, no filme "Brazil" (1944): Indicado em 1945.

Além dessas indicações, é importante mencionar que o filme "Orfeu Negro" (1959), uma coprodução entre França, Itália e Brasil, venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1960, mas a vitória foi creditada à França.

Até o momento, o Brasil não conquistou uma estatueta do Oscar com uma produção totalmente nacional, mas essas indicações refletem a relevância e a qualidade do cinema brasileiro no cenário internacional.


COMO O CINEMA NACIONAL REUNIU MINHA FAMÍLIA 

Sempre que um bom filme nacional estava em cartaz, Pa reservava aquele evento como algo especial. Era algo raro até aquele momento, mas depois de assistir Cidade de Deus no cinema, Ma e Pa deixaram um recado em casa dizendo que foram ao cinema (na mesma sessão do shopping que eu tinha acabado de sair). Posso até lembrar de vê-los na fila para entrar na próxima sessão. Uma baita coincidência — e eu estava realmente feliz com aquele evento, justamente porque fazia tempo que os dois não iam ao cinema juntos. Foi uma fase boa.

Quando Cidade de Deus estreou na Tela Quente, Pa deixou a TV ligada no filme para assistirmos todos juntos novamente, agora, toda a família unida no mesmo canal.

O primeiro Tropa de Elite vazou nos camelôs — quase inacabado — antes de ser lançado nos cinemas. Até hoje me lembro de passar pelas ruas da Cinelândia no Rio de Janeiro e me deparar com uma cena chocante e realista, especialmente para quem não estava acostumado com a realidade das favelas (ou até para quem estava). Um grupo de PMs encurralados, trocando tiros com traficantes — tudo isso registrado de forma muito realista e verdadeira em um longa de ficção nacional. Algo que eu sempre quis ver, mas nunca imaginaria que teriam coragem de fazer. Eu mesmo cheguei a desenhar em minha mente cenas de guerra naquele mesmo cenário, protagonizadas por um super-herói que eu vinha desenvolvendo por anos (essa cena comecei a idealizar em 2006, e o filme chegou em 2007). Se isso foi uma premonição, o nome desse filme foi Tropa de Elite. A não ser que José Padilha tenha acessado minha mente.

E aí, voltando para casa, vejo Pa e Ma em um momento raríssimo (algo que há muito tempo não se via): os dois vidrados na telona assistindo ao mesmo filme em casa. Para não atrapalhar, passei de fininho pela sala e ouvi algo de Pa: "-Não vão deixar exibir isso". A realidade é que o diretor José Padilha até precisou sair do país após criar a melhor cinessérie já feita pelo cinema nacional, por ameaças de morte.

Pois é, eu tive que ouvir uma certa elite virtual dizendo que fazer "favela movie" no Brasil era exagero (aparentemente, parente de corruptos). Mas olha a mensagem poderosa que Tropa de Elite nos deixou. E, melhor que isso, gerou um fenômeno cultural. Contudo, apesar do viral, algo acabou prejudicando a imagem do filme: o fato de que quem realmente é o protagonista da história é o Mathias, e não o Capitão Nascimento. Os virais de humor banalizaram, de alguma forma, a poderosa mensagem desse longa, transformando Wagner Moura na capa do filme. Os bordões são todos incríveis, mas me recordo que tive maturidade suficiente para assistir e compreender a mensagem do filme muito além dessas frases. Com Tropa 2, as coisas foram ainda mais longe, nos trazendo mensagens ainda mais profundas. Padilha deu a resposta — se queriam tornar Capitão Nascimento um herói, agora era a vez de mostrar uma realidade muito mais dura e um inimigo muito maior do que ele poderia enfrentar.


 PRODUÇÃO 

Detalhes do orçamento de Ainda Estou Aqui 

  • O filme foi gravado entre junho e dezembro de 2023.
  • As filmagens foram realizadas em locações, como a Urca, Copacabana, Jardim Botânico, entre outras.
  • A produção contou com cerca de 200 pessoas envolvidas.



GALERIA

O LIVRO

Ainda Estou Aqui (2015) que registra a saga de Eunice Paiva em busca de seu marido, Rubens Paiva, e a luta para proteger seus filho em meio ao período da ditadura.
CARTAZES BRASILEIROS



BASTIDORES


PRETO E BRANCO


CENAS





INTERNACIONAL



SESSÃO CRÍTICA 
AINDA ESTOU AQUI

Bibliografia
A História do Cinema Brasileiro - Academia Internacional de Cinema (AIC)


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